28 de março de 2007

Absolutely Fabulous
(AbFab, 1992 - ?)


   Lições de moral e boas comédias definitivamente não se misturam.
   Você cresce assistindo esses programas e filmes onde os personagens, mesmo agindo de um modo terrível ocasionalmente, são sempre, no fundo, boas pessoas, e sempre aprendem com seus erros. Você tem séries com famílias perfeitas, cujos episódios possuem sempre a mesma estrutura: um dos membros inicia o capitulo enfrentando um conflito (geralmente trivial), que é, então, compartilhado com o resto da família, que lida com isso de forma conjunta, levando então a inevitável conclusão moralista, em que tudo foi resolvido, e enfim, devemos todos ser melhores pessoas por ter assistido algo tão saudável. Mas é tudo construído de forma tão superficial e afetada que se torna difícil nos importarmos com os resultados – a história perde a graça no momento em que começa a se levar a sério demais, os personagens se tornam irrelevantes a partir do segundo que tentam nos passar suas lições; a narrativa deixa de ser interessante quando nos tira a liberdade de pensarmos por nós mesmos.
   É por isso que os programas realmente engraçados, aqueles que demonstram maior capacidade de sobreviver ao tempo trazem personagens pouco agradáveis. Há, por exemplo, o ultra mencionado Seinfeld, Segura a Onda, e é claro, o rei dos politicamente incorretos : Absolutely Fabulous. Contando com a ótima dupla Joanna Lumley e Jennifer Saunders como as festeiras e imaturas Pasty e Edina, AbFAb é um desses programas que foram copiados até a exaustão por outras emissoras, sempre sem sucesso. O estilo absolutamente escandaloso das duas não parece adaptar-se sem problemas em nenhum outro lugar, seus atos são sempre atenuados quando outros programas tentam reproduzi-los, o que elimina automaticamente seu charme.
Patsy e Edina são odiáveis. Divertidíssimas, mas odiáveis – algo como a versão drogada e amoral de Lucy & Ethel, elas tropeçam pelos episódios vestindo combinações horrendas, comparecendo bêbadas a funerais e caindo nas covas; dando lições valiosas sobre como ser uma péssima mãe. Definitivamente não são um exemplo a ser seguido (Edina vendeu sua filha para mercadores de escravos; Patsy injetou parallox na mão de Saffy;), mas é ótimo assisti-las. É como observar aquele seu parente/amigo alcoólatra sem nenhum sentimento de culpa. Transgressão pode ser muito divertida – desde que não lhe afete diretamente. É exatamente esse o apelo de “Absolutely Fabulous”, quanto pior for o comportamento dos personagens, mais você pode rir deles, e, fortuitamente, você não as conhece.

24 de março de 2007

Atirador
(Shooter, 2007)


   Não é um bom sinal, assistir a um filme em um dia (integralmente, sem cochilar em nenhum momento), e no próximo dia simplesmente não lembrar o seu final. Isto foi exatamente o quê aconteceu comigo neste caso, e acho que por si só fala volumes sobre a qualidade do longa.
   A trama gira em torno da conspiração para acusar o ex-atirador de elite militar Bob Lee (Mark Wahlberg) de tentar assassinar o presidente – Lee embarca então em uma jornada “exército de um homem só”, para tentar limpar seu nome e se vingar do alto escalão que tentou acusá-lo. Os momentos iniciais da película conseguem lidar até bem com a premissa (embora alguns detalhes exijam um certo grau de cooperação da platéia para soarem críveis) e a ação é bem proporcionada. Mas os minutos vão passando, as explosões e corpos vão se amontoando, e depois de ver a qüinquagésima sexta cabeça sendo explodida na tela, o impacto se perde, assim como nosso interesse em geral.
   É mais ou menos neste ponto que o filme se transforma em um “Desejo de Matar” com pretensões políticas, Wahlberg é o justiceiro solitário limpando as ruas com seu rifle, embora apesar de este não ser o velho oeste, e do fato de não podermos limpar o lixo das ruas com armas, a mensagem passada pelo longa, explicitamente, é de que algumas vezes, isto é “exatamente o que precisamos”.
   Os outros componentes também não colaboram muito – a história surge forçada e cheia de buracos, os diálogos são rasos e em diversas ocasiões simplesmente risíveis, os personagens são caricaturas óbvias de vilões e mocinhos e os atores responsáveis por estes conferem a eles a profundidade correspondente, a começar por Wahlberg (cuja atuação aqui lhe dá um título de membro honorário do Clube Keanu Reeves de Performances Inexpressivas), e passando ainda por Danny Glover, que além de canastrão, confere ainda à fala de seu personagem um trejeito deveras irritante e despropositado.
   Mas, temos que levar em conta que o filme não foi um desperdício total, afinal, aposto que muitos vão concordar e se divertir com a mensagem justiceira da película, e bem, finalmente os caras da NRA tem algo para assistir em suas reuniões quando quiserem dar uma folga para os clássicos do Charles Bronson.

21 de março de 2007

Idiocracy
(Idem, 2006)

“ – Será que Einstein achava todos um monte de idiotas?”
“ – É, agora você sabe porque ele inventou aquela bomba”.


   Em meio a um mundo onde a mediocridade, o pensamento de massa e filmes do Michael Bay predominam, é difícil acreditar que a humanidade esteja melhorando significativamente. Tudo bem, não sangramos mais pessoas com o objetivo de curá-las de todo e qualquer tipo de doença, e inventamos diversas máquinas úteis e legais – em compensação, continuamos não tendo uma cura consistente para algumas das enfermidades mais simples, e simplesmente resolvemos ignorar o efeito que os gases produzidos por tais máquinas causaram em nosso meio ambiente no último século. Aliás, não só ignorar, como em alguns casos, simplesmente negar tais fatos. Além disso, a população explodiu e não mostra sinais de cansaço, aumentando em proporção geométrica o número de idiotas na terra.
   Baseando-se na premissa de que esta massa pouco preocupada com “fatos” e “ciência” seja, eventualmente, tudo que restará da humanidade, o diretor Mike Judge (criador de Beavis & ButtHead, O Rei do Pedaço) nos traz está história, onde duas pessoas completamente medianas em todos os quesitos (Maya Rudolph e Luke Wilson), são selecionadas em um experimento militar um tanto quanto confuso, e congeladas no ano de 2005, com o objetivo de serem acordadas um ano mais tarde. Contudo, ocorrem alguns problemas durante o experimento, e os dois despertam com 500 anos de atraso, em meio a um mundo caótico, onde a burrice prevalece, e se vêem então, na posição improvável de pessoas mais inteligentes do mundo.
   A introdução da película consegue sustentar bem esta idéia interessante, com tiradas bem feitas e uma boa atuação de Luke Wilson, mas a segunda e terceira partes ficam um tanto quanto perdidas em meio a uma confusão generalizada – estou certa de que probabilidade de eventos não era exatamente a prioridade do diretor nesta comédia, entretanto, a total falta de coerência que permeia o filme acaba distraindo e incomodando, fazendo muitas de suas piadas perderem a graça. Ainda restam alguns bons momentos aqui e ali, mas o resultado final deixa muito a desejar, e não podemos deixar de imaginar o tipo de filme que poderia ter sido feito caso a premissa fosse melhor desenvolvida.
   Mas ainda assim, penso que vale a pena conferir o filme, nem que seja pela presença de algumas boas piadas, uma vista prévia do que podemos nos tornar, além de um retrato do que alguns de nós já somos.

19 de março de 2007


Nosso Amor do Passado
   (Conversations With Other Women, 2005)


   Duas pessoas se encontram em um casamento, iniciam uma conversa que se estende ao longo da noite, e vai aos poucos revelando seu passado, e a atração mútua que ainda existe entre os dois.
   Vi este filme há um certo tempo atrás, e fiquei debatendo por um longo período se deveria o não escrever algo sobre ele. A razão para isto é o fato de que por mais que eu tentasse, não conseguia exprimir de forma coerente e esclarecedora o quanto gostei do longa – se apoiando em um roteiro sólido, atuações impressionantes do par central (Helena Boham Carter e Aaron Eckhart) e em uma técnica de divisão de tela, o filme vai nos mostrando a história destes personagens – se conheceram quando jovens, se apaixonaram, tinham uma vida e um futuro juntos. Infelizmente, a vida raramente segue como planejamos, e por diversos motivos, estes se separam.
   Daí para frente, suas vidas seguem caminhos diferentes, conhecem e se tornam outras pessoas, passam até a viver em países distintos. Mas anos depois, ao se reencontrarem, fica claro que os sentimentos que possuíam um pelo outro ainda continuam vivos e fortes – não conseguem se afastar um do outro, mas será tarde demais para tentar resgatar o amor, a possibilidade de uma felicidade conjunta?
   É a técnica de divisão de tela que nos permite ver com clareza tanto os conflitos dos personagens quanto seu passado. Em alguns momentos, vemos realidades alternativas, de como os eventos poderiam ter discorrido, ou então um dos personagens faz referência à um evento do passado de ambos, e podemos ver o que ocorreu pela tela dividia; em outros momentos, um deles faz uma afirmação, repetida na tela, com a intenção de apontar um sentimento diverso - por vezes é algo que a pessoa gostaria de poder comunicar, mas não consegue, ou simplesmente acha que não deve, outras vezes é algo que soou de uma forma em sua mente, mas saiu de outra quando falado.
   O filme tem duas edições disponíveis em seu DVD – uma, presente nos extras, é aquela originalmente almejada pelo diretor, onde todo o filme se passa na tela dividida, e a outra, mais convencional, utiliza este artifício apenas em momentos selecionados. Assisti a versão tradicional por primeiro, e apesar de ter me incomodado um pouco com esta técnica de filmagem no início, terminei concluindo que ela apenas adiciona à história, nos dando um maior terreno para explorar.
   De qualquer forma, ao chegarem os créditos finais, o quê fica não são divagações sobre a técnica utilizada, e sim a melancolia, a reflexão sobre oportunidades perdidas, sobre um passado mais feliz que não volta mais, sobre a dor de nem sempre ser a pessoa escolhida, e além de tudo, sobre a impotência de não poder mudar, apagar, consertar, refazer o quê passou.

7 de março de 2007

Scoop - O Grande Furo
   (Scoop, 2006)


Scoop, a obra mais recente de Woody Allen, é um filme claramente despretensioso, cuja palavra que melhor o descreve é “agradável”. Não é particularmente engraçado, mas possui uma leveza desarmante, talvez pelo clima descontraído e com toques de magia e elementos sobrenaturais que compõe a história (que por vezes nos remetem a “Alice”, outra obra igualmente descompromissada do diretor), talvez pela atuação idealmente amena e estabanada de Scarlett Johansson, muito bem adequada aqui.
   Contudo, a melhor explicação para a sensação de familiaridade confortável que o filme transmite, provavelmente é a presença do próprio Woody, que retorna às telas após um pequeno recesso em seus últimos dois filmes, e está em ótima forma contracenando com Scarlett, mostrando que muitas de seus trejeitos antigos ainda conseguem entreter. As falas, piadas, formas de apresentação não mudaram – Woody ainda é aquele personagem neurótico e levemente hipocondríaco, mas agora em um cenário novo, cercado por uma platéia nova, o que parece ter lhe dado um novo fôlego, uma nova vivacidade. Muito já se foi comentado sobre a mudança de ares do diretor em seus últimos filmes, e vou apenas concordar aqui com o consenso geral de que esta trouxe apenas bons resultados no trabalho de Allen.
   Quanto à sinopse, Johansson é uma aspirante a jornalista de férias em Londres, que com a ajuda de um mágico interpretado por Allen, começa a investigar a ligação entre os crimes de um serial killer e o filho de um Lorde inglês (Hugh Jackman). O filme realmente se sustenta na relação paternal desenvolvida entre Johansson e Allen, que desde seu primeiro encontro, em um número de mágica recheado de piadas rasas, porém estranhamente encantadoras, parecem extremamente confortáveis um com o outro, e desenvolvem um bom ritmo, que amparara o filme. Uma narrativa com vários toques improváveis, mas que ainda assim consegue entreter.

5 de março de 2007

   Após 04 anos afastada, resolvi retomar o blog, e espero conseguir manter um ritmo constante aqui. As críticas da primeira fase desse blog (2002-2003) podem ser lidas no site arquivo através do link ao lado.
   E para comemorar o retorno do blog, vou postar uma crítica antiga levemente revisada, sobre o filme que dá nome a este lugar, o clássico do John Waters de 1989, HairSpray.

4 de março de 2007

Hairspray – E Éramos todos Jovens
(Hairspray, 1989)

   Até este dia, John Waters não se conforma por ter feito um filme de família. “Isso me deixa tão envergonhado – simplesmente achei que ser um filme meu com a presença de Divine já seria o suficiente para não nos deixarem em paz.”
   Mas aparentemente não foi. Conservando o estilo irreverente e os personagens excêntricos que lhe são tão característicos, mas introduzindo um aspecto doce e otimista raramente observado em seus trabalhos anteriores, Waters realizou no fim dos anos 80 “Hairspray – E Éramos Todos Jovens”, um inesperado filme família que se tornou seu maior sucesso, chegando até a gerar um aclamado musical da Broadway nos dias de hoje, e um remake a ser lançado provavelmente ainda este ano, com John Travolta no papel de Divine.
   Waters conseguiu realizar um trabalho extremamente difícil aqui – narrar uma história doce e ao mesmo tempo irônica, sem que esta se tornasse nem demasiadamente açucarada nem cínica. Uma história inspiradora sobre uma adolescente que acaba se tornando a improvável rainha da popularidade em um programa de danças vespertino, o “Corny Collins Show”, Hairspray é extremamente bem sucedido em criar uma atmosfera animada e surreal, introduzindo diversos elementos exagerados, dos cortes de cabelo absurdos às cores dos cenários, tornando este filme uma das mais divertidas farsas já filmadas. Através de músicas antigas obscuras e coreografias divertidíssimas, o estilo de Waters mantém-se inabalado na presença de uma quase benevolente Divine, como a dona de casa mãe da protagonista Tracy Turnblad (Ricki Lake em seus dias de gordinha); e mesmo quando está lidando com temas mais complexos, Waters ainda consegue manter o tratamento irreverente e irônico. Em resumo, um Waters familiar , mas nem por isso menos divertido.